A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) movimentou debates no campo jurídico ao manter, por unanimidade, a penhora de um imóvel pertencente a uma devedora trabalhista, que não conseguiu comprovar o uso da renda de aluguel como meio para custear suas despesas habitacionais. Apesar do apelo da empresária para proteger o bem como "bem de família", o tribunal concluiu que os requisitos da Lei nº 8.009/90, que outorga a proteção a bens essenciais para a sobrevivência familiar, não foram atendidos.
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Segundo os autos do processo, a história da devedora teve um desdobramento peculiar. Após enfrentar dificuldades financeiras em 2021, ela deixou o imóvel situado no Brasil e mudou-se para a Argentina para residir com um dos filhos. Antes da mudança, a propriedade foi doada a outro filho residente no Brasil, alegando ter como objetivo facilitar a administração do imóvel. Posteriormente, o bem foi alugado, sendo supostamente as receitas destinadas ao sustento da empresária no exterior. Contudo, essas alegações não foram robustamente comprovadas perante o Judiciário.
análise jurídica da decisão
A Lei nº 8.009/90 define o conceito de bem de família e protege o imóvel utilizado como a residência da unidade residencial contra penhoras, salvo nas exceções previstas na norma. Além disso, a Súmula 486 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ampliou a proteção ao permitir a impenhorabilidade de imóveis alugados, contanto que a renda obtida com os aluguéis seja utilizada para resguardar a moradia ou o sustento do núcleo familiar.
No entanto, o desembargador-relator Wilson Fernandes destacou que, por se tratar de uma exceção, cabe à parte interessada comprovar, de forma inequívoca, que a renda gerada preenche estas condições. Na ação em questão, argumentos como a doação do imóvel e a ausência de provas documentais robustas, como comprovantes de transferência bancária que sustentassem a transferência de recursos entre países, pesaram contra a tese da empresária.
"O instituto do bem de família é um relevante mecanismo de proteção social, mas sua aplicação depende do atendimento rigoroso dos pré-requisitos legais", afirmou o magistrado. Assim, a penhora do imóvel foi mantida, inviabilizando sua exclusão como meio para garantir o pagamento da dívida trabalhista.
pontos de controvérsia e implicações
O caso levanta importantes reflexões sobre o uso da legislação impenhorável em situações limítrofes e o ônus da prova em casos semelhantes. Ao doar a propriedade para um terceiro – ainda que fosse para fins de gestão – a empresária abriu um precedente interpretado pelo tribunal como enfraquecedor de sua defesa. Conforme a corte observou, uma simples procuração teria sido suficiente para administrar o bem à distância, não sendo a doação uma medida essencial.
A ausência de comprovações financeiras também foi um ponto crucial para o desfecho do caso. Contratos de locação por si só não foram considerados provas suficientes para demonstrar que os valores recebidos tinham efetivamente o destino declarado pela parte.
Como consequência da decisão, o imóvel continuará penhorado até que a dívida trabalhista seja liquidada. Contudo, o processo ainda não acabou, uma vez que aguarda o julgamento de agravo de instrumento no Tribunal Superior do Trabalho (TST), instância que poderá reavaliar os aspectos processuais e materiais do caso.
o papel da lei nº 8.009/90 na proteção familiar
Em contextos de dívidas civis e trabalhistas, a Lei nº 8.009/90 se destaca como um instrumento fundamental para preservar a dignidade humana. Contudo, a proteção conferida pelo bem de família encontra limites nas obrigações trabalhistas, reconhecidas pela jurisprudência como de caráter privilegiado. O caso reforça a ideia de que as regras precisam ser interpretadas com equilíbrio, garantindo a execução de dívidas legítimas sem descuidar do propósito social que move a impenhorabilidade.
Em meio a discussões desse gênero, é essencial que as partes interessadas apresentem e sustentem suas teses com provas concretas e robustas, como extratos bancários, recibos de pagamentos e outros documentos financeiros que comprovem a ligação direta entre a renda auferida e a finalidade declarada. A interpretação da lei segue firme, mas adapta-se aos detalhes de cada situação.
conclusão
O desfecho no TRT-2 reafirma a importância de seguir critérios objetivos para que imóveis classificados como "bem de família" sejam protegidos pela lei. Enquanto o agravo segue em julgamento no TST, o caso serve de alerta para proprietários em situações análogas: a clareza e a consistência das provas são fatores determinantes para pleitos dessa natureza.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.