
A recente controvérsia no STF sobre os honorários contratuais em ações trabalhistas coletivas trouxe à tona discussões cruciais sobre o respeito às leis federais e à Constituição. O debate mobilizou juristas, sindicatos e o próprio Ministério Público do Trabalho.
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No centro da disputa está o direito da advocacia de receber valores acordados em contratos firmados por entidades sindicais, prática garantida legalmente. Porém, a tentativa de impedir o pagamento desses honorários compromete pontos estruturais da jurisdição coletiva no Brasil.
Compreensão do caso e a atuação do MPT
A origem da controvérsia está na atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que tentou obstar a cobrança de honorários contratuais por advogados que representaram sindicatos em ações coletivas ao longo de décadas. Em embargos no AO 2.417, o MPT argumentou a ausência de legitimidade dos causídicos para executarem os honorários acordados coletivamente.
Ao fazê-lo, porém, contrariou o que estabelece o artigo 22, §§ 6º e 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que assegura a validade dos contratos celebrados entre sindicatos e advogados, mesmo sem manifestação individual dos sindicalizados. Para justificar a intervenção, o MPT alegou “irregularidade” no pacto originário, o que, juridicamente, não encontra respaldo em nenhuma norma vigente.
Além disso, o STF já havia decidido anteriormente que o MPT não detém legitimidade ativa nesses casos, pois os honorários contratuais constituem direitos de natureza individual disponível. A tentativa de reverter essa decisão por meio de embargos de declaração, sobretudo com o argumento de que valores envolvidos seriam altos demais, cria um grave desvio de finalidade judicial.
Legalidade da substituição processual
A substituição processual, prevista no artigo 8º, inciso III da Constituição Federal, é uma conquista jurídica que permite ao sindicato ajuizar ações em nome da coletividade de seus representados, mesmo sem outorga individual. Esse instrumento evita a judicialização pulverizada de milhares de ações individuais, propiciando acesso eficiente à Justiça.
Do ponto de vista legal, não há exigência para que cada trabalhador firme individualmente um contrato com o advogado do sindicato. A própria essência da substituição processual é permitir que a entidade sindical atue em nome da categoria, inclusive para fins de celebração contratual com profissionais de advocacia.
O Estatuto da OAB fortalece esse entendimento ao dispor que os honorários convencionados com as entidades para fins coletivos podem ser executados diretamente. Dessa forma, condicionar o pagamento dos honorários a uma manifestação individual atenta contra a lógica constitucional e funcional do instituto.
O papel do STF e a segurança jurídica
A manifestação do ministro Flávio Dino, ao demonstrar preocupação com o suposto valor bilionário dos honorários e compará-los ironicamente ao que Kelsen teria ganhado em vida, descolou-se do núcleo legal do debate. A quantia hipotética de R$ 1,5 bilhão, citada durante a sessão, está longe da realidade e foi prontamente desmentida pelos advogados envolvidos, que ainda esclareceram que os valores serão divididos entre dezenas de profissionais após décadas de trabalho.
Tal comparação, além de imprecisa, desloca o foco da questão: a aplicação ou não da lei vigente. Juízes não estão autorizados a desconsiderar normas legais com base em valores que julgarem altos ou desproporcionais. A tarefa do Judiciário é aplicar a lei, salvo em seis hipóteses já consolidadas pela dogmática jurídica — nenhuma delas presente nesse caso.
Por isso, decisões judiciais que ignoram leis válidas e constitucionais, como os dispositivos do Estatuto da OAB, sem declarar sua inconstitucionalidade, operam fora dos limites do devido processo legal e da separação de poderes.
A autonomia da vontade coletiva e os reflexos no direito sindical
Um ponto ainda mais preocupante é o ataque indireto à autonomia coletiva da vontade, prevista e respeitada pelo STF desde o julgamento do Tema 1.046. Nele, a Corte garantiu a possibilidade de sindicatos restringirem direitos trabalhistas por meio de acordos coletivos. Se essa prerrogativa é admitida para retirar direitos, por que não seria válida para proteger interesses e viabilizar a própria atuação coletiva?
Fragilizar a legitimidade dos honorários em ações coletivas lança um duro golpe contra os sindicatos. Sem a garantia legal de recebimento da remuneração contratada, a atuação judicial de entidades de classe tende a se enfraquecer — poucos advogados aceitarão causas coletivas longas e complexas sem clara previsão de retorno financeiro.
O resultado dessa lógica é perverso: em vez de fortalecer o acesso coletivo à Justiça, incentiva-se a fragmentação de litígios, com milhares de ações individuais, maior sobrecarga do Judiciário e menor eficácia protetiva aos trabalhadores.
A relevância da constitucionalidade chapada
O que está em jogo, no fim das contas, é a preservação do papel institucional da advocacia e do próprio sistema de Justiça trabalhista coletivo. O artigo 22 do Estatuto da OAB foi concebido para garantir que ações coletivas viabilizem uma atuação justa, sem prejuízo à remuneração dos profissionais que operam em nome do interesse público e dos trabalhadores.
Interpretar contrato coletivo como inválido por ausência de anuência individual é subverter uma lógica jurídica consolidada e respaldada no próprio texto constitucional. Além disso, encaminha o Judiciário a uma perigosa linha de atuação ativista sem suporte legal.
Portanto, a legalidade e constitucionalidade dos honorários contratuais firmados por entidades sindicais em ações coletivas trabalhistas é inquestionável à luz do ordenamento atual. Romper com tais dispositivos representa um retrocesso institucional com efeitos negativos na tutela de direitos trabalhistas.
Caminhos para um debate institucional
É legítimo discutir meios de preservar o equilíbrio no pagamento de honorários, evitando abusos ou distorções. No entanto, isso deve ocorrer em sede legislativa, com a participação de todos os atores jurídicos e sociais — e não por decisões judiciais que, interpretando além da literalidade da lei, acabam por comprometer garantias estruturais.
A insatisfação com a regra não pode justificar sua não aplicação. A coerência do sistema jurídico depende da fidelidade às normas vigentes, que, até que sejam declaradas inconstitucionais, detêm força obrigatória. Atos normativos como o Estatuto da OAB não podem ser ignorados ou reinterpretados sem o devido processo.
No contexto atual, preservar o direito à substituição processual e à remuneração advocatícia pactuada não apenas resguarda conquistas democráticas do mundo do trabalho, mas protege a própria autonomia da Justiça e da atividade profissional de advogados que há décadas vêm atuando em prol da coletividade.
📄 Para mais aprofundamento jurídico, acesse o acórdão do STF no AO 2.417, disponível quando publicado no repositório oficial da Corte: www.stf.jus.br.
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Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.