A consolidação substancial, que ganhou destaque com a Lei 14.112/2020, surge como uma ferramenta para reequilibrar dívidas no âmbito da recuperação judicial. Quando aplicada a grupos econômicos compostos por empresas urbanas e produtores rurais, o conceito apresenta desafios e oportunidades, especialmente no tocante aos avais de dívidas.
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A interdependência econômica entre empresas e produtores rurais pode justificar o tratamento unificado de ativos e passivos. Nesse cenário, o aval, fundamental enquanto garantia de crédito, assume nova interpretação caso esteja alinhado ao objetivo de viabilizar a recuperação e garantir a atividade produtiva.
Entendendo a consolidação substancial
A consolidação substancial visa unificar os ativos e passivos de empresas que componham um grupo econômico, permitindo um plano único de recuperação judicial. No entanto, esse instrumento exige comprovação de interconexão patrimonial e dependência entre as partes, conforme estipulado no artigo 69-J da Lei 11.101/2005. Em um contexto amplo, os produtores rurais, frequentemente acumulando dívidas em razão das dificuldades sazonais e de mercado, podem beneficiar-se dessa sistemática ao integrarem sociedades empresariais urbanas.
Neste ponto, cabe destacar um ponto de tensão: os avais concedidos em operações de crédito. Ainda que a interdependência econômica entre os entes das dívidas garantidas seja essencial, a suspensão dos avais não é imediata. A jurisprudência aponta que a aprovação do plano de recuperação pelos credores é um elemento chave para justificar a exclusão ou suspensão dessas garantias.
Quando o aval entra em destaque
O aval figura como a garantia prestada principalmente por produtores rurais ao utilizarem patrimônio pessoal para financiar negócios agrícolas, muitas vezes vinculados às sociedades empresariais com as quais operam. A interligação econômica entre esses dois universos pode justificar a ampliação da consolidação substancial, conforme observado em recentes decisões.
Exemplos práticos:
TJ-MT (2024): No julgamento do AI 1022926-72.2023.8.11.0000, o Tribunal deferiu a consolidação substancial ao constatar confusão patrimonial entre produtores rurais e outras empresas do grupo. Tal decisão promove a recuperação unificada, mas preserva o aval enquanto garantia.
STJ (REsp 1.532.943-MT): Foi permitido o ajuste no plano de recuperação para suprimir garantias reais e fidejussórias, caso aceito em assembleia de credores. Essa decisão vincula os credores aos moldes aprovados, ainda que haja flexibilização em relação às garantias dadas.
Complexidade no caso do produtor rural
Apesar da clareza normativa em relação às sociedades empresariais, o produtor rural possui características distintas na recuperação judicial. Sua atividade, essencialmente sujeita à sazonalidade e à oscilação dos mercados agrícolas, resulta em complicações ao consolidar os passivos junto a outros entes do grupo econômico. O registro na Junta Comercial, obrigatório para tanto, é essencial, mas nem sempre regularizado, inviabilizando o acesso ao benefício da recuperação judicial para muitos agricultores.
Além disso, o legislador impõe um limite claro: as disposições do artigo 49, §1º, da Lei 11.101/2005, determinam que os avais e garantias fidejussórias não estão imediatamente sujeitos à suspensão nas recuperações judiciais, mesmo na consolidação substancial. Para superar esse obstáculo, é fundamental demonstrar a interdependência econômica-financeira e negociar com os credores.
Estratégias possíveis
- Provas de interconexão econômica: Demonstração de que as sociedades urbanas e o produtor rural dependem economicamente umas das outras.
- Preservação da empresa: Alegação de que a recuperação judicial unificada é essencial para evitar a falência de todo o grupo.
- Negociação ativa: Apresentação de um plano de recuperação que contemple a revisão de avais, submetendo-se à aprovação das classes de credores.
Reflexões sobre a jurisprudência
Os tribunais brasileiros começam a explorar os limites do conceito de consolidação substancial. Enquanto a consolidação processual se mantém na esfera procedimental, reunindo processos de empresas ligadas, a substancial exige um olhar mais amplo à realidade interconectada. Contudo, a aplicação desse conceito a grupos com pessoas físicas, como produtores rurais vinculados a sociedades empresariais, ainda levanta debates sobre a vulnerabilidade dos credores.
As recentes decisões nos tribunais estaduais, exemplificadas pelo TJ-MT e TJ-SP, além do STJ, confirmam um movimento em direção à flexibilidade. Isso evidencia a tentativa de garantir viabilidade econômica às empresas e produtores em dificuldades, sem ignorar o equilíbrio de interesses entre credores e devedores.
Caminhos para o futuro
Para equilibrar as dívidas urbanas e rurais em uma recuperação conjunta, será necessária uma combinação de estratégias jurídicas bem fundamentadas e negociações com credores. A consolidação substancial desponta como um instrumento alinhado à função social da empresa, ao mesmo tempo em que preserva empregos e o sistema financeiro.
Todavia, a interpretação do artigo 69-J da Lei nº 11.101/2005 exige rigor, evitando abusos que afetem os crédulos. A consolidação, sob critérios adequados, pode representar um avanço no direito empresarial, promovendo um ambiente mais dinâmico e adaptável às complexas relações econômicas.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.