
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reafirmou um princípio essencial da justiça penal: o testemunho isolado de policiais, quando não acompanhado de provas, não é suficiente para sustentar a condenação de um réu.
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Esse entendimento foi aplicado pela 6ª Turma do STJ ao absolver um homem anteriormente condenado por roubo e corrupção de menores, com base exclusiva no relato dos agentes de segurança e em uma confissão informal feita por um adolescente.
Julgamento no STJ
O caso julgado pelo STJ envolvia um homem acusado de roubar, com a ajuda de um menor de idade, enquanto ambos estariam de capacete, o que impediu o reconhecimento facial. A condenação nas instâncias inferiores foi construída sobre a narrativa dos policiais militares que efetuaram a prisão e sobre o suposto relato informal do adolescente envolvido.
Contudo, a defesa contestou a validade dessas provas, destacando a ausência de reconhecimento formal por parte das vítimas e a fragilidade da confissão, que sequer havia sido documentada de forma juridicamente adequada.
Falta de elementos de corroboração
A Corte entendeu que, para que o testemunho policial possua valor probatório suficiente para fundamentar uma condenação penal, ele precisa ser corroborado por outros elementos de prova. O relator do caso, juiz convocado Otávio de Almeida Toledo, reforçou que:
"As palavras dos agentes policiais — conquanto gozem, pelo prisma administrativo, de presunção de veracidade —, para fins de validade e eficácia probatória no bojo da persecução criminal, devem ser cotejadas com demais provas coligidas aos autos."
Esse parecer está alinhado com o princípio do “livre convencimento motivado” e com a exigência de corroboração probatória, também conhecida como “corroborative evidence”.
Lacuna entre fatos e julgamento
Outro ponto crítico identificado pelos magistrados diz respeito ao intervalo de tempo excessivo — oito anos — entre os fatos narrados pelos policiais e a primeira audiência judicial. Essa distância temporal compromete a precisão dos depoimentos e favorece distorções da memória, inclusive nas testemunhas oficiais.
O acusado foi absolvido, portanto, com base no princípio in dubio pro reo. A inexistência de indícios materiais ou provas adicionais impediu a manutenção da condenação.
Precedentes e contexto jurisprudencial
A decisão segue a linha adotada por decisões anteriores da mesma Corte. Entre elas, destacam-se:
- A anulação de condenações baseadas em “testemunhos de ouvir dizer”.
- O entendimento de que, na ausência de gravações por body cams em abordagens policiais, os relatos dos agentes devem ser submetidos a escrutínio mais rigoroso.
- Posicionamentos reiterados de que provas indiretas, isoladas ou frágeis não são suficientes para levar um réu a julgamento ou condenação.
Esses parâmetros ajudam a preservar a coerência do sistema penal diante do risco de condenações equivocadas com base apenas na presunção da autoridade policial.
Processo judicial
A decisão unânime foi proferida no julgamento do Agravo em Recurso Especial (AREsp) 2.514.195, e teve como advogado de defesa o criminalista Bruno Cilurzo Barozzi. O STJ reforçou, assim, a interpretação constitucional de que ninguém pode ser considerado culpado sem que haja prova judicial segura e válida de sua responsabilidade penal.
Ainda que o testemunho policial continue sendo uma ferramenta importante para a persecução criminal, sua insuficiência para sustentar, por si só, uma condenação penal reforça os limites entre a atuação policial e o devido processo legal.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.