
O Superior Tribunal de Justiça iniciou o julgamento de uma questão relevante para o direito ambiental: saber se é necessário comprovar prejuízo concreto para a configuração do dano moral coletivo ambiental. O caso, que envolve ações civis públicas do Ministério Público de Mato Grosso, pode consolidar entendimento importante para futuras decisões.
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No centro da discussão está a tese de que a violação ao direito ambiental, por si só, já justificaria a reparação do dano moral coletivo, sem a exigência de demonstração de prejuízo mensurável. O voto do relator sinaliza abertura à tese da presunção do dano, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vista.
Contexto das ações analisadas
A análise em curso na 1ª Turma do STJ envolve dois recursos especiais: o AREsp 2.376.184 e o AREsp 2.699.877. Ambos foram interpostos pelo Ministério Público de Mato Grosso em ações civis públicas que tratam de ilícitos ambientais, especialmente a retirada de vegetação nativa sem autorização legal.
Nas instâncias inferiores, os tribunais rejeitaram o pleito de condenação por dano moral coletivo, entendendo que não houve demonstração de elementos suficientes para configurar tal dano. Enquanto um dos julgados apontou a ausência de demonstração de prejuízo efetivo, o outro indicou que o grau de reprovabilidade do ato não justificava a indenização pleiteada.
Apesar disso, o MP/MT sustenta que a gravidade da violação ambiental, por si, deve ensejar a indenização por danos morais coletivos. Para o órgão, trata-se de uma ofensa “in re ipsa”, ou seja, presumida pela violação ao interesse difuso constitucionalmente protegido.
Voto do relator e possíveis impactos
O voto inicial do relator, ministro Gurgel de Faria, foi proferido no AREsp 2.376.184. O magistrado reconheceu a existência de dano moral coletivo diante da supressão ilegal de floresta nativa, propondo o retorno do processo ao Tribunal de origem para que se proceda à fixação do valor indenizatório.
Além disso, Gurgel de Faria destacou a necessidade de a 1ª Turma estabelecer uma tese que oriente decisões futuras em casos semelhantes. A pretensão é oferecer segurança jurídica ao tratamento de ações de dano coletivo ambiental, muitas vezes marcadas por entendimentos fragmentados nas instâncias inferiores do Judiciário.
Essa uniformização jurisprudencial poderá esclarecer se a constatação do dano deve sempre depender de prova de prejuízo concreto à coletividade ou se, diante da ofensa a um bem jurídico essencial — como o meio ambiente —, a lesão já se configura automaticamente.
Divergência e pedido de vista
Apesar do voto favorável do relator, o julgamento não teve continuidade imediata. A ministra Regina Helena Costa apresentou pedido de vista, interrompendo a deliberação do colegiado. Ao justificar sua decisão, a ministra declarou que é imprescindível a fixação de parâmetros objetivos para que o reconhecimento do dano moral coletivo ambiental não fique à mercê de subjetividades.
Ela sinalizou a intenção de apresentar, em sessão futura, diretrizes que possam ajudar na fixação de critérios mais claros. A expectativa é que isso traga maior coerência às decisões e agilize o trâmite de processos semelhantes, reforçando o papel protetivo do Judiciário na tutela de bens difusos.
Presunção do dano e jurisprudência
A tese de que o dano moral coletivo pode ser presumido, sem necessidade de demonstração de sofrimento ou abalo à coletividade, já encontrou respaldo da doutrina e de parte da jurisprudência. Em temas como racismo, violações a direitos do consumidor e danos ao patrimônio histórico, essa concepção tem sido aplicada.
No campo do direito ambiental, essa discussão ganha contornos ainda mais relevantes por envolver um bem de interesse transindividual e permanente. A possibilidade de sua degradação afetar diretamente as condições de vida das gerações presentes e futuras confere especial proteção ao meio ambiente pela Constituição Federal de 1988.
Estabelecer que o dano é presumível nesse contexto pode reforçar o caráter preventivo da responsabilização civil ambiental, incentivando maior observância às normas e ampliando o alcance das sanções.
Caminhos possíveis e relevância social
Com o prosseguimento do julgamento, o STJ terá a oportunidade de definir se irá consolidar a tese da responsabilização objetiva para casos de dano moral coletivo ambiental. Caso a Turma aprove o entendimento de que a simples lesão ao meio ambiente já supõe abalo moral coletivo, criará-se um precedente de forte repercussão.
Esse posicionamento poderá:
- Fortalecer a atuação do Ministério Público e de entidades civisna defesa de interesses difusos.
- Reduzir o grau de exigência probatória nas ações civis públicas ambientais.
- Estimular efetividade no cumprimento da legislação ambientalpor parte de entes públicos e privados.
- Uniformizar decisões nos tribunais estaduais e federais, evitando insegurança jurídica.
Entretanto, também cresce o risco de banalização da responsabilização se não forem definidos parâmetros mínimos para identificar a gravidade do ilícito e o nexo com o dano coletivo.
O que está em jogo
O julgamento do STJ transcende os casos concretos analisados. Trata-se de um possível marco na interpretação do dano moral coletivo em matéria ambiental. O objetivo central é equilibrar a reparação de danos com a preservação de garantias processuais, assegurando que o sistema judicial proteja o meio ambiente sem incorrer em decisões automatizadas.
Até o momento, os processos relevantes continuam pendentes de conclusão: AREsp 2.376.184e AREsp 2.699.877. A decisão futura apontará os rumos da responsabilização civil ambiental coletiva no Brasil.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.