Natureza processual do pedido para acessar patrimônio pessoal na falência

Pedido para alcançar patrimônio pessoal de sócios em falências possui natureza de incidente e não uma ação autônoma.

Natureza processual do pedido para acessar patrimônio pessoal na falência

Quando uma empresa declara falência, uma das questões de maior interesse dos credores é a possibilidade de alcançar o patrimônio pessoal dos sócios para cobrir as dívidas pendentes. Esse processo, no entanto, não ocorre automaticamente, e há um entendimento claro por parte da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o procedimento para isso tem natureza de incidente, e não de ação autônoma. Isso significa que o pedido para desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência ao patrimônio pessoal dos sócios deve ser feito no curso do processo de falência, sem necessidade de instauração de uma nova ação judicial.

Este entendimento busca otimizar o andamento processual, evitando o acúmulo de ações e simplificando a responsabilização dos sócios, quando houver evidências de fraude, abuso ou confusão patrimonial. Ao ser tratado como um incidente processual, o pedido passa a ser decidido por meio de uma decisão interlocutória, que não encerra o processo, mas resolve questões levantadas no decorrer da ação. O recurso cabível contra uma decisão nesses moldes é o agravo de instrumento, conforme previsto no artigo 1.015, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC).

Pedido de desconsideração não exige ação autônoma

Um caso recente ilustra essa questão. Nos autos de uma ação de falência, foi realizado um pedido para que os bens pessoais do sócio fossem atingidos para o pagamento das dívidas da empresa falida. O juízo de primeiro grau rejeitou esse pedido, embora tenha enquadrado erroneamente a solicitação como uma “ação de responsabilidade” e seu pronunciamento como uma sentença, o que levou ao ingresso de uma apelação pela parte interessada.

No entanto, o Tribunal de Justiça não conheceu da apelação, entendendo que o pedido de extensão dos efeitos da falência configurava, na verdade, um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, e, por esse motivo, o recurso adequado seria o agravo de instrumento. Diante dessa circunstância, o tribunal ressaltou que o princípio da fungibilidade recursal, que admite o recebimento de um recurso equivocado como se fosse o recurso correto, não era aplicável no caso concreto, uma vez que o erro caracterizava-se como grosseiro.

Características da desconsideração da personalidade jurídica na falência

A desconsideração da personalidade jurídica é uma ferramenta processual introduzida na Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005) apenas em 2019 através do artigo 82-A. O dispositivo visa tornar o sócio pessoalmente responsável pelas obrigações da empresa falida, sempre que constatado abuso da personalidade jurídica, como decorrente de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Importante destacar que a inserção da desconsideração da personalidade jurídica no contexto da falência não criou propriamente uma novidade no sistema jurídico, mas pacificou uma prática já adotada anteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Antes da adição formal do artigo à lei, a jurisprudência do STJ já previa que o patrimônio dos sócios poderia ser atingido de forma incidental, sem a necessidade de se ajuizar uma ação autônoma para tanto.

O recurso correto e a aplicabilidade do princípio da fungibilidade

Como a decisão do juízo de primeiro grau que rejeita ou acolhe o pedido de desconsideração da personalidade jurídica é uma decisão interlocutória, o recurso cabível é o agravo de instrumento. Essa conclusão deriva da leitura do artigo 1.015, inciso IV, do CPC, que elenca as hipóteses em que é possível recorrer imediatamente de uma decisão interlocutória, sendo uma delas justamente a questão da desconsideração da personalidade jurídica.

Contudo, ao analisar o recurso especial interposto nesse caso, a ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, ressaltou que o comportamento do magistrado de primeiro grau, ao qualificar o pedido como ação autônoma e proferir uma decisão como se fosse sentença, gerou uma “dúvida objetiva” que justificava a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Esse princípio permite que o tribunal receba recursos interpostos erroneamente quando há ambigüidade real quanto ao rito processual a ser seguido. Dessa forma, o agravo poderia, sim, ter sido convertido em apelação, garantindo o direito da parte em ver seu pleito analisado.

Desdobramentos e jurisprudência

A decisão do STJ consolida um entendimento importante para as ações de falência, ao consolidar que o pedido para estender a falência ao patrimônio dos sócios não configura uma nova ação, mas sim um incidente processual. Além disso, a jurisprudência reforça a necessidade de atenção por parte dos advogados para manejar o recurso adequado no momento correto do processo, evitando a prolatação de decisões desfavoráveis por erros processuais.

Essa decisão reafirma a responsabilidade que os sócios têm sobre o uso correto da personalidade jurídica, garantindo que abusos ou desvios não fiquem impunes, ao mesmo tempo que oferece uma maior agilidade processual para os credores conseguirem satisfação de seus créditos.

Processos desse tipo demonstram como a jurisprudência evolui e contribuí para a segurança jurídica e previsibilidade no âmbito empresarial e penal.

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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.

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