
A proposta do ministro Gurgel de Faria, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pode mudar a forma como são fixados os honorários em litígios tributários. O objetivo é impedir a cobrança de honorários de sucumbência em duplicidade quando o contribuinte desiste de embargos à execução fiscal para aderir a programas de parcelamento da dívida.
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No julgamento iniciado na 1ª Seção do STJ, a tese apresentada busca evitar o bis in idem, ou seja, a dupla penalização pela mesma conduta processual. A discussão foi suspensa por pedido de vista, mas deve impactar milhares de ações em curso.
Contexto da controvérsia tributária
A controvérsia ocorre quando o contribuinte, com execução fiscal em curso, apresenta embargos à cobrança. Caso decida depois aderir a um programa de transação tributária, ele precisa desistir dos embargos — o que, segundo entendimento atualmente aceito, enseja condenação em honorários de sucumbência.
Paralelamente, os mesmos programas que o contribuinte adere já preveem, em sua estrutura, percentuais de honorários advocatícios administrativos, pagos diretamente à Fazenda Pública. Com isso, o devedor é, na prática, compelido a pagar honorários duas vezes pela mesma dívida tributária.
O novo posicionamento em construção no STJ pretende romper com essa prática que se consolidou com base no Código de Processo Civil de 1973, cuja interpretação permitia considerar os embargos como processo autônomo à execução e, por consequência, com honorários distintos.
Voto do ministro e fundamentação
O ministro Gurgel de Faria propôs, com base na legislação atual, que a extinção dos embargos à execução fiscal — fruto da desistência ou renúncia à ação — não deve acarretar nova obrigação de pagar honorários advocatícios se tais valores já estão previstos no parcelamento.
Ele alertou que manter a dupla cobrança representa afronta ao princípio da vedação ao enriquecimento indevido e à lógica processual trazida pelo novo Código de Processo Civil de 2015, especialmente pelo §2º do artigo 827, que trata da majoração de honorários na execução.
Como ressaltado pelo ministro:
“Não havendo inclusão de honorários advocatícios no valor parcelado, aí sim poderá a Fazenda, após o encerramento dos embargos à execução, exigir verba honorária.”
Essa construção leva em consideração que, na via administrativa, a adesão ao programa de parcelamento é uma forma de transação — prevendo o pagamento integral do crédito, inclusive os encargos legais, como os honorários. Portanto, exigir novo pagamento no Judiciário equivaleria a impor penalidade repetida.
Modulação dos efeitos
Uma preocupação prática foi tratada no voto do relator: a proposta de modulação dos efeitos da tese repetitiva. A aplicação da nova diretriz, caso aprovada, se restringirá:
- Aos casos processuais iniciados após 18 de março de 2025; ou
- Aos processos anteriores em que, nesta data, já houvesse impugnação à cobrança de honorários.
O marco definido faz referência à data em que a 1ª Seção do STJ afetou os recursos para julgamento como repetitivos, sendo, portanto, razoável para permitir segurança jurídica, considerando que a jurisprudência em vigor até então permitia a cobrança duplicada.
Impactos nos programas de recuperação fiscal
A tese proposta pelo relator abrange diversos programas de transação fiscal. Entre eles, destacam-se o Programa Reativa BH, da prefeitura de Belo Horizonte, e iniciativas semelhantes promovidas pelo estado de Minas Gerais.
Esses programas, como o Reativa BH, permitem a exclusão de juros e multas, bem como condições mais suaves para que o contribuinte regularize sua situação fiscal. Contudo, exigem que o devedor desista de ações judiciais em curso, como os embargos à execução fiscal.
Caso a tese seja adotada, o pagamento de honorários por conta dessa desistência deixará de ser exigido se o programa de transação já contemplar a verba. Com isso, busca-se reduzir o custo da adesão a esses programas e aumentar a atratividade para o contribuinte.
Tese proposta e processos relacionados
A nova orientação, se aprovada pela maioria da 1ª Seção, terá caráter vinculante e valerá para todo o Judiciário sob a sistemática dos recursos repetitivos. A formulação apresentada foi:
“A extinção dos embargos à execução fiscal em face da desistência ou da renúncia do direito manifestada para fins de adesão a programa de recuperação fiscal em que já inserida a verba honorária pela cobrança da dívida pública não enseja nova condenação em honorários advocatícios.”
Foram afetados os seguintes recursos especiais:
- REsp 2.158.358
- REsp 2.158.602
Esses casos servirão como paradigma para pacificar o entendimento jurídico, especialmente diante da mudança de norma substancial trazida pelo CPC de 2015.
Perspectiva e próximos passos
Como o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Paulo Sérgio Domingues, não há data para conclusão. Contudo, o voto do relator sinaliza forte tendência para que o STJ reveja sua jurisprudência anterior, em linha com a modernização trazida pelo novo CPC.
Caso a tese prospere, haverá impacto direto em milhares de execuções fiscais em curso, aliviando os custos processuais dos contribuintes e uniformizando a jurisprudência quanto ao alcance dos honorários advocatícios no contexto de programas de recuperação tributária.
O julgamento representa um passo relevante rumo à racionalização do sistema de cobrança da dívida ativa, ao mesmo tempo que respeita garantias fundamentais do processo civil e a boa-fé do contribuinte que busca quitar seus débitos por meio da via legal de transação.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.