
A ausência de notificação válida ao devedor levou o Judiciário mineiro a anular a consolidação da propriedade de um imóvel em nome de uma cooperativa. A decisão ressalta a necessidade de observar rigorosamente os dispositivos da Lei 9.514/97 em processos de inadimplência com garantia fiduciária.
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O caso envolveu uma empresa do setor de laticínios, que questionou judicialmente a posse definitiva de um bem com mais de 56 mil metros quadrados, no interior de Minas Gerais, alegando que não foi informada de forma legal sobre o procedimento de execução da garantia.
Decisão do magistrado
Segundo o juiz Geraldo David Camargo, da 30ª Vara Cível de Belo Horizonte, a consolidação da propriedade em favor da credora é nula, já que a notificação não foi encaminhada ao representante legal da empresa. Em vez disso, a comunicação foi feita ao contador da devedora, pessoa que não possui poderes legais para representar formalmente a empresa em atos negociais.
O magistrado baseou-se no § 3º do art. 26 da Lei 9.514/97, que exige notificação pessoal e direta do devedor inadimplente. Ainda que tenham sido utilizados meios complementares, como correspondência eletrônica, notificações via correio e publicações em jornais, esses canais não supriram a ausência da notificação principal com os requisitos legais.
Para o juiz, a nulidade da notificação inicial contaminou todo o processo de consolidação do imóvel. Consequentemente, determinou a reversão do ato registral que efetivava em nome da cooperativa a titularidade do bem dado em garantia.
Procedimento de consolidação conforme a Lei 9.514/97
A alienação fiduciária em garantia de bens imóveis é regida por procedimentos específicos previstos na Lei 9.514/97. Quando o devedor se torna inadimplente, o credor fiduciário pode promover a chamada consolidação da propriedade, transferindo definitivamente o bem para o seu nome.
Porém, para que isso ocorra legalmente, é necessária a observância de alguns requisitos indispensáveis:
- A notificação deve ser feita pessoalmente ao devedor;
- Deve conter prazo de 15 dias para quitação integral do débito;
- Sua formalização deve obedecer critérios que assegurem o direito de defesa do devedor.
Qualquer descumprimento desses itens pode configurar vício insanável no processo e levar à anulação de atos decorrentes da consolidação, como ocorreu no caso examinado pelo juiz mineiro.
Impacto da decisão sobre atos posteriores
A cooperativa alegou que, mesmo após a notificação ao contador, foram realizados esforços de informação ao devedor, com envio de e-mails e publicação em jornal de grande circulação. No entanto, tais atos foram considerados acessórios e incapazes de convalidar a notificação defeituosa que deu início ao procedimento.
Na visão do magistrado, somente representantes com poderes legais — como administradores, gerentes ou diretores com mandato regular — podem receber comunicações com efeitos jurídicos em nome da empresa. O contador, como profissional técnico da área fiscal e contábil, não se enquadra nessa categoria.
Essa interpretação protege o princípio do devido processo legal e fortalece a previsibilidade nas relações contratuais, principalmente quando envolvem valores significativos e patrimonialmente relevantes.
Situação do imóvel e providências judiciais
O imóvel objeto da ação está localizado no município de Lajinha/MG e possui área de 56.250 m². Ele havia sido dado em garantia em uma cédula de crédito bancário no valor de R$ 3.432.133,91, formalizada em outubro de 2021. A inadimplência da empresa levou a cooperativa a requerer a consolidação da propriedade, concluída em abril de 2023.
Com a anulação judicial da consolidação, a matrícula do imóvel deverá ser revertida administrativamente ao estado anterior, até que uma nova tentativa de consolidação atenda integralmente os requisitos legais, inclusive com notificação válida da devedora.
A decisão foi proferida no processo nº 5203616-96.2023.8.13.0024. Para conferir na íntegra, acesse o documento oficial:
Considerações jurídicas e reflexos no mercado
A sentença reafirma a importância da formalidade nos procedimentos de execução de garantias fiduciárias. Ao mesmo tempo, sinaliza às instituições financeiras e cooperativas a necessidade de revisão de seus fluxos internos de cobrança, principalmente na identificação de representantes aptos a receber notificações com efeitos jurídicos.
Esse tipo de discussão tem ganhado espaço no Judiciário, e decisões como essa aumentam a previsibilidade e a segurança jurídica, contribuindo para o equilíbrio entre credor e devedor nas operações de crédito com garantia real.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.